Espiritualidade na Era Planetária

“Espiritualidade na Era Planetária”

Adrián Villaseñor Galarza

Como nosso impulso espiritual mais profundo é melhor expressado em nossos tempos atuais?

“O que nós chamamos de ‘o divino’ não é nada além da energia do despertar, da paz, da compreensão, e do amor, que pode ser encontrada não só em cada ser humano, mas em todas as espécies na Terra.

Thich Nhat Hanh

Eu me perguntei incontáveis vezes o motivo pelo qual sou atraído por uma espiritualidade que é sensível à ecologia. Para além da sua utilidade como uma resposta muito necessária aos desafios que nós encaramos como uma família humana ou o que eu sou capaz de discernir e intelectualizar, eu me pergunto qual é a natureza essencial da minha profunda paixão e do meu profundo amor pelo nosso planeta Terra. Abaixo, tentei compreender este anseio mais urgente.

De acordo com o professor budista Thich Nhat Hanh, o planeta é a mãe de todos os Budas. Para mim isso significa que o ar que respiramos, a água que bebemos, a terra em que andamos, e o fogo que nos aquece, são a origem da vida em si e também a expressão mais desperta e cristalina de ser. Todos os humanos e todas as criaturas encontram sua origem na Terra; o planeta é a dimensão que existe no coração de todos os seres.

Mais especificamente, o amado professor budista propõe três virtudes que a mãe de todos os Budas revela em todos os momento enquanto voa através do espaço entre Sua comunidade planetária solar.

As três virtudes são estabilidade, criatividade, e não-discriminação. Mesmo nos tempos mais difíceis, a Terra continua a florescer. A estabilidade demonstrada pelos diferentes ecossistemas do planeta enquanto são sujeitos a consequências, com frequência desastrosas, das atividades de nossa espécie é admirável, mostrando uma quantidade notável de perseverança, equanimidade e paciência.

A criatividade planetária parece não ter limites. A enorme diversidade da vida está em perene inovação e adaptação, representada, por exemplo, em uma floresta de sequoias, na bioluminescência dos vaga-lumes ou na pintura de Van Gogh da noite estrelada. Mas a Terra possui a criatividade mais profunda.

A ausência de discriminação da natureza permite que ela sirva como uma generosa fonte que provê a cada um dos seres as condições aptas para que ele subsista e realize os dons superiores da consciência.

As virtudes da estabilidade, da criatividade, e da não-discriminação são igualmente encontradas nas profundezas do nosso ser, onde a Terra reside sem perturbação.

Sinos Ressoando

Emergências e desastres ecológicos ressoam como sinais de alerta quando prestamos atenção de perto ao que acontece nas nossas paisagens interiores.

Ao contrário do que possa parecer, a introspecção pode nos conduzir para uma vida mais plena em contato virtuoso com a Terra — essa é talvez uma das principais razões para minha atração pela eco-espiritualidade.

Se a Terra é mesmo uma grande professora, agora mais do que nunca, ela comunica lições valiosas a todos nós que estamos interessados em refinar nossas paisagens internas e construir uma relação mais íntima entre essas paisagens mentais e o núcleo radiante delas.

É agora que os desafio ecológicos produzidos pela mente industrializada nos trazem até uma encruzilhada onde não existe nenhuma opção de voltar atrás ou de nos escondermos de nós mesmos. Direcionar nossa atenção para dentro convida o reconhecimento dos hábitos inconscientes que alimentam a destruição ecológica e nosso próprio sofrimento, fazendo ser visível um caminho de despertar. O atual momento planetário é uma oportunidade sem paralelos para atiçarmos as chamas da consciência.

Esse tipo de espiritualidade e desenvolvimento da consciência não são baseados apenas na nossa apreciação e na nossa gratidão pela Terra, mas em algo muito mais profundo e mais misterioso. Uma espiritualidade dirigida para o planeta revela a premissa de que o planeta em si é similar a um objeto, uma estátua bonita mas inerte no centro de um altar. Em vez disso, a minha experiência de eco-espiritualidade é inspirada pela transparência interna que nos permite reconhecer que o sagrado é algo que flui da Terra em si.

Era Planetária

A influência do auto-proclamado Homo sapiens ou “o humano mais sábio” reverbera através da Terra inteira. Tanto que, em 2016, geologistas finalmente levaram seriamente em consideração que a espécie humana está alterando a estrutura e o funcionamento do planeta inteiro de forma profunda e irreversível. A ideia não é nova.

Mais de meio século atrás, o cientista Russo Vladimir Vernadsky propôs que a mente humana era um poderoso agente geológico. Chegaria o tempo em que a transferência a troca de matéria e energia no ecossistema global seria ditada pelas ações humanas. O potencial evolucionário da nova era geológica, inaugurado pelas mãos da nossa espécie, existe em associação com uma expansão de criatividade e com uma tremenda destruição: luz brilhante, sombra profunda.

A era planetária é o fruto de uma longa trajetória evolucionária. Se considerarmos a espécie humana como um grande organismo, é possível identificar seis estágios de desenvolvimento, ligados a diferentes níveis de consciência. O primeiro estágio, hominização, deu surgimento ao humano arcaico e durou de 4 milhões de anos atrás até 200,000 anos antes da era comum. O estágio de simbolização, onde nossos ancestrais aprofundaram suas consciências auto-reflexivas criando arte, religião e vários símbolos, se estendeu por 190,000 anos, até 12,000 anos atrás. Com uma duração de 6,500 anos, a agriculturalização marcou a transição dos grupos nômades de caçadores-coletores para um estilo de vida sedentário e suas muitas repercussões. Civilização, a próxima fase, deu surgimento a uma nova ordem e estrutura social, distinguida pela divisão do trabalho e uma constante diversidade cultural e estratificação. Esse estágio durou 4,500 anos. A fase da industrialização, que durou de 1500 até 1945, foi categorizada pela exploração e mecanização dos processos naturais que sustentam a civilização. O sexto estágio, planetização, é uma era de globalização cultural, política, e econômica, onde uma interconectividade socio-ecológica íntima movida primariamente pelas atividades da nossa espécie é manifestada.¹

Quais são as repercussões do alcance planetário da mente humana que foi construído ao longo do tempo na vida cotidiana do cidadão industrializado?

Segunda Era Axial

A erosão do sagrado é uma fonte principal dos desconfortos da espécie humana, que se manifesta com incidência especial no ecossistema global. Nós populamos, mudamos, invadimos, e colonizamos a ampla gama de paisagens na Terra, experimentando e provando formas nas quais a criatividade humana aparentemente infinita fica maravilhada com suas próprias criações.

Esta engenhosidade se espalhou como uma fagulha em uma floresta seca, desenvolvendo medicamentos para as principais epidemias e salvando milhares de vidas, viajando nos céus a centenas de milhas por hora, melhorando enormemente as tecnologias de comunicação e os processos produtivos, e até enviando foguetes para o espaço para andar na lua. Mas que pequeno interesse parece haver quando se trata de olhar para dentro para lidarmos com nossa experiência criativa em contemplação e quietude.

Um antídoto para uma situação assim está ligado a um período fértil de despertar intelectual, filosófico e espiritual, do qual emergiram os grandes profetas conhecidos até os dias de hoje. A era axial de cerca de 2000 anos atrás deu nascimento a figuras como Lao-Tse, Buda, Jesus Cristo, Mahavira, Ezequiel, Sócrates, Platão, Heráclito e Patanjali, enquanto também inaugurou muitas da religiões e escolas de sabedoria que esclareceram as aventuras da espécie humana ao longo do tempo.

Independentemente de considerações religiosas, a era axial causou uma explosão de conhecimento que serviu como um linha divisória para a evolução cultural. A espécie humana nunca mais foi a mesma. Uma, característica chave deste episódio influente é que a grande maioria dos despertares que aconteceram estão relacionados a grandes profetas, a figuras individuais brilhantes.

O momento histórico atual de interconexão global e influência planetária é, para muitos, uma segunda era axial, dada a profunda influência que as atividades atuais têm não apenas no futuro da espécia humana mas no futuro de todos os habitantes da Terra.

A impressionante acumulação de conhecimento dos nossos dias é um segundo ponto de virada no qual ciclos socio-ecológicos são fechados e novos episódios são inaugurados. Talvez, o fator mais crucial que mostra uma trajetória em declínio é o colapso do nosso lar planetário, concretamente exemplificado pela sexta extinção em massa de espécies, mudança climática, e a crise energética. O que podemos aspirar quando a própria matriz que nos presenteia com a vida está em perigo?

A crise ecológica é a parábola, a expressão respirável de uma crise de civilização. As dimensões produtiva, cultural, religiosa e econômica das sociedades industrializadas estão em forte contraste com as realidades ecológicas do planeta. Muitos dos valores e costumes celebrados hoje simplesmente não são viáveis. Se torna necessário reverter esse “senso comum” pervasivo e perceber que nossos métodos de produção, nossos usos e costumes, nossas crenças e práticas espirituais, e nossas tendências e práticas econômicas, todos dependem da bondade da Terra.

Em sua notável variedade, muitos dos avanços derivados da primeira era axial foram baseados na ideia de transcendência, amplamente entendida como o abandono do mundo em direção a uma realidade luminosa. Agora, conscientes de que o sagrado é sem limites, o mundo como um todo é visto como uma expressão do Grande Mistério.

Espiritualidade para nosso Tempo

A crise para a lagarta é a oportunidade da vida para a borboleta. A crise global em que nos encontramos imersos também pode ser entendida como as dores de parto do próprio planeta.

Um desdobramento próspero da segunda era axial depende de cada um de nós resgatarmos um senso de sagrado em nossas vidas a partir das profundezas da matéria.

A espiritualidade da era planetária se refere à restituição e a celebração do sagrado na matéria. Afinal, “matéria” evoca o significado da palavra “origem” e “fonte”, e é etimologicamente relacionada com a palavra “mãe”. Ao mesmo tempo, uma espiritualidade assim nos convida a vermos a Terra, a fonte imediata de matéria, como um grande ser que contém e faz possível para nós humanos que experienciemos as correntes sagradas da criação e o mistério que encontra-se além.

Profetas e visionários da segunda era axial colocam uma ênfase no coletivo. A comunidade planetária se torna o profeta. A espiritualidade que conecta o céu e a terra, o visível e o invisível, contribui para o desdobramento virtuosos da era planetária que dá boas vindas, energiza, e liberta todos os seres.

Se nós seres humanos desfrutamos a liberdade para nos exploramos e nos expressarmos espiritualmente, é porque a Terra é a fonte do sagrado. Esta dimensão sagrada, que deu nascimento ao universo, às galáxias e suas estrelas, aos sóis e seus planetas, nos alcança através da matriz da Terra. A sacralidade do cosmos nos convida a virarmos nossa atenção para dentro para despertar nossas capacidades espirituais que por sua vez revelam a criatividade divina da Terra.

A espiritualidade da era planetária se torna a celebração da sacralidade que habita o coração da matéria e da Terra, se estendendo em todas as direções e em todos os níveis.

— Adrián Villaseñor Galarza

¹ William I. Thompson. Transforming History: A New Curriculum for a Planetary Culture, 2009, pp. 23–24.


O texto acima foi adaptado do livro Corazón del cielo, corazón de la Tierra: La espiritualidad en la era planetaria (“Coração do Céu, Coração da Terra: A Espiritualidade na Era Planetária” de Adrián Villaseñor Galarza, 2017. A tradução do texto para português foi feita por Ormando MN e revisado por Polliana Zocche.

Adrián, facilitador-guia do Trabalho Que Reconecta, é um apaixonado pelo processo de transformação humana feito a serviço do planeta. É terapeuta transpessoal pela e conta com uma especialização em Cura e Ritual Ancestral. Clique aqui e conheça o site dele.

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