Escrevendo Nossa Vida Como Gaia com Joanna Macy

Escrevendo “Nossa Vida Como Gaia” com Joanna Macy

por Molly Young Brown

No verão de 1996, Joanna Macy pediu a minha ajuda para dois projetos de escrita. Ela estava trabalhando no Widening Circles (seu livro de memórias) e ela queria revisar o livro “Desespero e Poder Pessoal na Era Nuclear” (Despair and Personal Power in the Nuclear Age), a pedido da editora New Society Publishers. Ela precisava de alguém para ler e atualizar o material do livro “Desespero e Poder Pessoal na Era Nuclear” enquanto ela focava em seu livro de memórias.

Eu fiz parte do Projeto de Tutela Nuclear depois de participar de uma oficina de Tutela Nuclear com Joanna em 1990. Em seguida, estudei com ela na Escola Star King para o Apostolado (Star King School for the Ministry), e atuei como professora assistente em dois cursos que ela ministrou no Instituto de Estudos Integrais da Califórnia (California Institute of Integral Studies). Durante o processo, nós nos tornamos colegas e boas amigas. Fiquei entusiasmada quando ela me pediu para ajudar com estes dois projetos de escrita.

Por mais de um ano, eu viajei com frequência de Petaluma (onde eu vivia na época) para Berkeley para ajudar Joanna a organizar e conceitualizar Widening Circles, e começar a revisar “Desespero e Poder Pessoal na Era Nuclear” para a nova edição. Enquanto ela concluía o livro de memórias, e eu trabalhava na atualização, ficou claro para nós duas que um livro completamente novo pedia para ser escrito. No ano que se seguiu, a primeira edição de Nossa Vida Como Gaia (Coming Back to Life) nasceu.

Lembre-se de que isso ocorreu nos primórdios da Internet e da programação de computadores. Nós não tínhamos Google Docs para trabalhar e precisávamos enviar arquivos Word constantemente uma para a outra. Joanna trabalhava em um PC pré-Windows com letras verdes iluminadas em um fundo escuro (lembra?).  Uma de nós assumia a redação de uma seção específica e a compartilhava com a outra, que enviava o feedback de volta para a autora. Em seguida, nos reuníamos pessoalmente e líamos em voz alta os resultados uma para a outra, para um ajuste mais fino.

Foi muito divertido trabalhar com a Joanna! Muitas vezes, ao tentar encontrar as palavras certas para expressar um conceito ou nuance, ficávamos muito bobas e sugeríamos todos os tipos de frases sem sentido uma para a outra. Isso quase sempre abria caminho para que uma ou outra de nós encontrasse as palavras certas – e a outra dizia imediatamente: “É isso!”. Experimentamos a “inteligência de grupo” com frequência em nosso processo de escrita juntas, contribuindo para uma experiência rica e agradável de criatividade colaborativa.

Ainda assim, era sobre o trabalho de Joanna que estávamos escrevendo e, embora eu tivesse alguma experiência em conduzir oficinas, Joanna tinha a palavra final sobre o que incluíamos e como o expressávamos.  Eu me sentia confortável com isso, porque ainda estava aprendendo o Trabalho ao escrever sobre ele.

Joanna estava se referindo a esse corpo de trabalho como “Trabalho de Ecologia Profunda”. No entanto, ela começou a pensar que esse era um termo muito amplo, em parte porque era usado por muitas outras pessoas com abordagens diferentes.  Lembro-me perfeitamente quando esse título mudou, durante uma sessão de escrita na casa de Joanna e Fran em Berkeley. Quando Fran passou pela sala de jantar onde estávamos trabalhando, Joanna pediu a opinião dele sobre a questão. Fran respondeu perguntando a Joanna: “Bem, o que esse trabalho faz?”, Joanna respondeu: “Reconecta as pessoas a si mesmas e à teia da vida” (ou palavras nesse sentido). Fran disse: “Então, chame-o de ‘Trabalho Que Reconecta'”. Decidimos usar palavras semelhantes para o subtítulo da primeira edição do livro “De Volta à Vida: Práticas para Reconectar Nossas Vidas, Nosso Mundo” (Coming Back to Life: Practices to Reconnect Our Lives, Our World).  E “Trabalho Que Reconecta” tornou-se o nome que Joanna e muitos de seus colegas têm usado para o Trabalho desde então.

Em 2012, Joanna propôs que escrevêssemos uma edição atualizada de Nossa Vida Como Gaia (Coming Back to Life), quase 15 anos após sua primeira publicação em 1998. (Eu agora estava morando em Mount Shasta, no extremo norte da Califórnia, a cerca de 5 horas de carro da Bay Area). A editora original, New Society, apoiou a ideia.  Muita coisa havia acontecido no mundo desde 1998 – crises se intensificando e novas surgindo – que Joanna queria abordar na nova edição. Além disso, ela queria falar mais diretamente sobre o que via como “duka” institucionalizada (as causas do sofrimento na perspectiva budista) – especificamente o capitalismo corporativo com seus mercados globais e a priorização do lucro sobre todas as outras questões. E, é claro, o próprio Trabalho havia evoluído, com muitas práticas novas que ela queria compartilhar.

Para essa nova edição, Joanna deixou claro que queria que eu fosse uma parceira mais igualitária.  Ela tinha plena consciência de que os anos estavam afetando sua capacidade de concentrar seus pensamentos e precisava que eu a ajudasse a manter o foco.  Além disso, eu já tinha muito mais experiência no Trabalho, tendo conduzido várias oficinas em diversos ambientes ao longo dos anos, experiência que eu poderia trazer para a nova edição.  Nosso trabalho conjunto foi igualmente satisfatório – se não mais – dessa vez.

Cada uma de nós folheou nossos exemplares da primeira edição, fazendo anotações nas margens a respeito do que vimos que precisava ser mudado.  Em seguida, afixamos grandes folhas de papel jornal na parede de seu escritório para delinear os capítulos e o que queríamos incluir, adaptar ou acrescentar à nova edição.

Agora cada uma de nós tinha um notebook e acesso a programas e interfaces muito mais fáceis.  Mesmo assim, Joanna preferia imprimir os capítulos quando eles estavam em formato de rascunho. Nós os líamos em voz alta uma para a outra e fazíamos anotações nas margens sobre quaisquer alterações necessárias.

Joanna adora rechear seus escritos com poesias e citações de muitas fontes, para comunicar o quanto o Trabalho Que Reconecta faz parte de um movimento mundial maior.  Nós duas fizemos listas de citações e poemas favoritos, que consultávamos sempre que precisávamos de um epigrama para começar um capítulo ou nos lembrávamos de algo relevante para o tópico em questão.  As citações geralmente apareciam em comunicações que recebíamos por e-mail, sites ou até mesmo pela mídia social – muitas vezes aparecendo no momento certo. Não é preciso dizer que não pudemos incluir tudo de nossas coleções.

Ao analisarmos a edição antiga e visualizarmos a nova, concordamos com quatro mudanças principais:

1. Queríamos descrever a Espiral de forma mais completa. Na edição anterior, havia uma breve referência à ideia relacionada ao “sequenciamento”. No entanto, nos anos seguintes, Joanna desenvolveu a Espiral como uma das principais características do Trabalho. Nós a descrevemos com alguns detalhes no Capítulo 4, “O que é o Trabalho Que Reconecta?”.

2. Queríamos revisar drasticamente o Capítulo 5 sobre “Orientação do trabalho em grupo”. Joanna achava que ele era extremamente inadequado, então praticamente reescrevemos esse capítulo do zero, passando muitas horas pensando juntas sobre o que era necessário. Também mudamos o título para “Facilitando o Trabalho Que Reconecta”.

3. Embora “Desespero e Poder Pessoal” tivesse um capítulo sobre o trabalho com crianças, havíamos deixado isso de fora do livro de 1998.  Joanna queria reconhecer o trabalho que estava sendo feito nesse campo por vários facilitadores criativos e me pediu para reunir e integrar essas informações em um capítulo sobre o trabalho com crianças e adolescentes – o que eu fiz.

4. Historicamente, a maioria das pessoas que participavam das oficinas do Trabalho Que Reconecta eram pessoas brancas de classe média, predominantemente mulheres e de meia idade.  Com o aquecimento da crise climática, mais jovens se interessaram pelo Trabalho, inclusive jovens negros. Quando o número de pessoas não brancas que participavam das oficinas começou a crescer, Joanna e sua assistente Anne Symens-Bucher reuniram um grupo de pessoas não brancas para um programa de treinamento de facilitadores realizado na Canticle Farm. Joanna, como professora-raiz, era a única pessoa branca presente.  Joanna queria relatar essa experiência na nova edição, juntamente com uma seção sobre “Cultura profunda” de Patricia St Onge (que apresentou seu trabalho durante o segundo grupo), bem como ensaios de alguns dos participantes.  Assim, foi criado um capítulo sobre “Aprendendo com as comunidades não brancas”.

Observação: Desde a conclusão da nova edição, muitos facilitadores do Trabalho Que Reconecta se reuniram para examinar as suposições inconscientes de poder, privilégio e opressão que são endêmicas na sociedade branca atual e que podem ser levadas para as oficinas do Trabalho Que Reconecta. Em resposta, Joanna e eu revisamos algumas das práticas e a descrição das Três Histórias para ampliar a linguagem e as perspectivas para além da cultura branca predominante. Essas revisões aparecem no site workthatreconnects.org.

Ao nos aproximarmos da conclusão da nova edição, tivemos que decidir sobre o título e o subtítulo – algo totalmente novo ou semelhante à edição anterior.  Decidimos manter o título principal, Coming Back to Life, e mudar o subtítulo para nomear o trabalho na capa: “The Updated Guide to the Work That Reconnects“*.  Isso também indicou que o livro é um guia sobre como facilitar o Trabalho. Isso foi especialmente importante para Joanna para diferenciá-lo de Active Hope – How to Face the Mess We’re in without Going Crazy (Esperança Ativa – Como encarar o caos em que vivemos sem enlouquecer), que ela escreveu recentemente em coautoria com Chris Johnstone.

Pela minha experiência, Joanna sempre acolheu novas percepções e práticas no Trabalho, porque ela vê o Trabalho Que Reconecta como vivo e em evolução. Foi por isso que ela quis escrever uma edição atualizada de Nossa Vida Como Gaia.  Ao mesmo tempo, ela tem o compromisso de se manter fiel aos princípios básicos do Trabalho:

  • o movimento da Espiral,
  • as raízes no pensamento sistêmico e nos ensinamentos espirituais,
  • a visão da Grande Virada,
  • a necessidade de “sustentar o olhar” ao enfrentarmos o Grande Desmoronamento,
  • a necessidade de honrar nossa dor pelo mundo como evidência de nossa interconexão radical com todas as pessoas e todos os seres dentro da teia da vida, e
  • a intenção de agir em prol de todos os seres como uma corrente organizadora em nossas vidas.

Portanto, embora quisesse que o trabalho fosse compartilhado com o mundo como “código aberto” ou “creative commons“, Joanna esperava que o Nossa Vida Como Gaia servisse como um guia e um recurso para ajudar as pessoas a oferecer as práticas no contexto desses princípios.  Que assim seja!

Nota pessoal: Meu relacionamento com Joanna mudou o curso da segunda metade de minha vida.  Eu tinha 48 anos quando fiz a primeira oficina com ela; meus filhos estavam crescidos e eu estava entrando em uma nova fase da vida.  É difícil imaginar agora o que teria acontecido se não tivéssemos nos conectado. Aprendi muito trabalhando e conversando com Joanna, mais do que posso começar a resumir aqui. E, em grande parte devido à nossa amizade, o Trabalho Que Reconecta também se tornou o trabalho da minha vida.


Molly Brown, editora do Deep Times, é coautora do livro Nossa Vida Como Gaia com Joanna Macy. Molly traz a ecopsicologia, o Trabalho Que Reconecta e a psicossíntese para seu trabalho, escrevendo livros e ensaios, ministrando cursos on-line, orientando por telefone, oferecendo palestras e oficinas. Seus seis livros incluem Growing Whole: Self-realization for the Great Turning e Lighting a Candle: Collected Reflections on a Spiritual Life. Com Mutima Imani e Constance Washburn, Molly dirige e ensina o Spiral Journey Facilitator Development Program for the Work That Reconnects.  Site: MollyYoungBrown.com


*Na edição em português o título e o subtítulo ficaram assim: “Nossa Vida Como Gaia: Visões e práticas para assumir nosso papel na criação de uma sociedade que promove e sustenta a vida”. O livro pode ser adquirido aqui.

Texto original “Writing Coming Back to Life with Joanna Macy” publicado em Deep Times: A Journal of the Work That Reconnects, edição de março de 2020. Tradução para o português por Bruna Buch.

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