
As Três Dimensões
da Grande Virada
A partir de uma perspectiva das gerações futuras, que imaginamos, podemos ver como a Grande Virada está ganhando força nos dias atuais, através das escolhas de incontáveis indivíduos e grupos. Podemos ver que isso está acontecendo simultaneamente em três áreas ou dimensões que se reforçam mutuamente. Elas são:
1. Ações para desacelerar os danos à
Terra e aos seres que vivem nela;
2. Análise e transformação das
fundações da nossa vida comum; e
3. Uma mudança fundamental na
visão de mundo e nos valores.
Muitos de nós estamos engajados em todas as três dimensões, cada uma é necessária para a criação de uma sociedade que sustenta a vida.

Ações de Contenção: Ações para desacelerar os danos à Terra e aos seres que vivem nela
Talvez essa seja a dimensão mais visível da Grande Virada, essas atividades incluem todos os trabalhos críticos com política, legislação e leis necessárias para reduzir a destruição, assim como ações diretas – bloqueios, boicotes, desobediência civil, e outras formas de recusa/contestação. Alguns exemplos são:
⏺ Documentar e disseminar os efeitos da Sociedade de Crescimento Industrial/Capitalista Tardia sobre a ecologia e a saúde.
⏺ Fazer lobby ou protestar contra acordos internacionais que ameaçam ecossistemas e minam a justiça social e econômica.
⏺ Botar a boca no trombone sobre práticas corporativas ilegais e antiéticas.
⏺ Ação Direta/Desobediência Civil:
Fazer bloqueios e conduzir vigílias em lugares de
destruição ecológica, instituições de exploração financeira,
como florestas primárias ameaçadas de serem devastadas,
ou em locais onde são jogados rejeitos nucleares,
bloqueando a construção de novos oleodutos,
desobediência civil contra fraturamento hidráulico (fracking)
e bancos exploradores.
Trabalhos desse tipo ganham tempo, ajudam a mudar a consciência, lutam pelo poder, e empoderam números crescentes de pessoas a agirem. Isso salva algumas vidas, e ecossistemas, espécies, e culturas, assim como elementos do patrimônio genético, para a(s) sociedade(s) sustentável(eis) que virá(ão). Mas, somente isso é insuficiente para realizar a transformação necessária.
Estruturas “Gaianas”: Análise das causas estruturais, e a criação de alternativas estruturais
A segunda dimensão da Grande Virada é igualmente crucial. Para libertarmos a nós mesmos e ao planeta, de forma significativa, dos danos sendo infligidos pela Sociedade de Crescimento Industrial, devemos entender sua dinâmica múltipla, complexa e interseccional. Como chegamos até aqui? Quais são os acordos tácitos que criam uma riqueza obscena para poucas pessoas, enquanto progressivamente empobrecem o restante da humanidade? Quais causas entrelaçadas nos prendem por contrato a uma economia insaciável que usa nossa Terra como um almoxarifado e um sumidouro?
É um cenário devastador, e é preciso coragem e confiança no nosso próprio senso comum, e na nossa essência moral/espiritual mais profunda, para olhar para esse cenário com realismo. Nós desmistificamos o funcionamento da economia global para ver como esse sistema opera. Ao fazermos isso, somos menos tentados a demonizar os políticos e os CEOs das corporações, que são servos desse sistema. Em vez disso, são geradas poderosas narrativas sobre prestação de contas e justiça restaurativa. Apesar de toda a grandiosidade aparente da Sociedade de Crescimento Industrial, sua fragilidade está sendo exposta – o quão dependente ela é da obediência, e como ela está condenada a devorar a si mesma.
Além de aprenderem como o sistema atual funciona, muitas pessoas contribuem para a criação de alternativas estruturais. Em incontáveis localidades, assim como brotos verdes abrindo caminho através do pedregulho, novas organizações sociais e econômicas estão brotando. Sem esperar que nossos políticos nacionais ou estaduais nos acompanhem, nos juntamos em grupo e agimos em nossas próprias comunidades. Fluindo a partir dessa criatividade e colaboração, em benefício de toda a vida, essas ações podem ser criticadas como sendo insignificantes, mas elas seguram as sementes da resiliência e da generatividade para o futuro.
Algumas iniciativas dessa dimensão são:
⏺ Fóruns (teach-ins) e grupos de estudo
sobre a Sociedade de Crescimento Industrial.
⏺ Estratégias e programas para defesa
não-violenta e baseada nos cidadãos.
⏺ Desenvolver comunidades baseadas em
interconexões profundas entre linhas que antes eram
divididas, como raça, gênero, status econômico e habilidades
– que também oferecem modelos para sistemas
sociais/sociedades maiores.
⏺ Redução da dependência de combustíveis fósseis
e nucleares, e conversão para fontes renováveis de energia.
⏺ Organizações de vida colaborativa, como co-habitação,
ecovilas, compartilhamento de terra, casas pequenas
(tiny houses), e compartilhamento de casas coletivas.
⏺ Jardins comunitários, cooperativas de consumidores,
cooperativas que pertencem aos trabalhadores,
comunidades que sustentam a agricultura (CSA),
restauração de bacias hidrográficas,
moedas locais, e mais.
Mudança de Consciência
Essas alternativas estruturais não podem se enraizar, e sobreviver, sem ter valores profundamente realizados, e incorporados, para sustentá-las. Elas requerem mudanças profundas na nossa percepção da realidade, e no nosso entendimento da natureza dos relacionamentos – tanto entre humanos quanto com o mundo mais-que-humano. Ao redor do planeta, essas mudanças estão vivas e estão acontecendo agora, como revolução cognitiva, prática incorporada e despertar espiritual.
Os insights e experiências que nos capacitam e nos empoderam a fazer essas mudanças estão se acelerando, e eles assumem muitas formas. Eles emergem como o reconhecimento, a expressão e o honrar do luto por nosso mundo, provando que as noções do velho paradigma estão erradas, incluindo o individualismo rude e a separatividade essencial do ‘eu’ e dos outros humanos, do mundo e das energias mais profundas da realidade. Eles emergem como uma resposta bem-vinda para que marcos no pensamento e na prática científica, como o reducionismo, o materialismo e a ciência ligada ao lucro, deem lugar à evidência de um universo vivo vital.
E eles emergem no ressurgimento das tradições de sabedoria. Esse aprofundamento do entendimento do sagrado, e do não-dual, nos lembra novamente que nosso mundo é um todo sagrado, digno de adoração e serviço inspirado.
As muitas formas e ingredientes dessa dimensão incluem:
⏺ A teoria geral dos sistemas vivos; por exemplo,
usar seus ensinamentos sobre propriedades emergentes para comunicar estratégias para realizar mudanças.
⏺ A Ecologia Profunda, o profundo movimento ecológico de longa-duração, e o movimento por uma transição justa.
⏺ A Espiritualidade da Criação e a Teologia da Libertação, o Budismo Engajado e correntes similares em outras tradições.
⏺Ecofeminismo.
⏺ O ressurgimento das tradições Xamânicas.
⏺ Ecopsicologia.
⏺ O conceito de cultura nutritiva e esforços em direção ao desenvolvimento dela.
⏺ Esforços para preservar línguas e culturas indígenas e, desse modo, a sabedoria que elas expressam.
⏺ Terapias somáticas para nos conectarmos aos nossos corpos.
⏺ Ir além das culturas e etnicidades e outras diferenças, para abraçar as coisas em comum e celebrar a diversidade.
As realizações que fazemos na terceira dimensão da Grande Virada nos salvam de sucumbir ao pânico, à paralisia, ou à maldade. Elas nos dão força e coragem para resistir ao torpor físico e ao falso abrigo da evasão. Elas nos empoderam a escolher não nos virarmos uns contra os outros como bodes expiatórios com quem desabafamos nosso medo e nossa fúria. Em vez disso, nos movemos na direção de abraçar radicalmente a unidade da humanidade além de todas as diferenças, e na direção da sacralidade fundamental de toda a vida.
O texto acima foi traduzido do site oficial do Work That Reconnects ( workthatreconnects.org/spiral/the-great-turning ) por Ormando MN, e revisado por Polliana Zocche, em outubro de 2020.
Uma versão ampliada do texto pode ser encontrada no capítulo 1 do livro “Nossa Vida Como Gaia” (“Coming Back to Life”), de Joanna Macy e Molly Young Brown.