Sem Tempo a Perder

Sem Tempo a Perder

O artigo a seguir foi adaptado da fala de Joanna Macy no evento “No Time To Lose: A Dharma Response to Climate Change” (“Sem Tempo a Perder: Um Resposta do Darma para a Mudança Climática”) sediado pelo Spirit Rock Meditation Center em Woodacre, Califórnia, em 15 de Setembro de 2019.

Ele foi publicado anteriormente em Tricycle e no Deep Times Journal. Esta tradução, feita por Ormando MN e revisada por Polliana Zocche, é publicada aqui com a autorização de Joanna Macy, Molly Young Brown e Tricycle Magazine.


Talvez o modo mais verdadeiro de tocar a realidade deste momento é: experienciar a nossa capacidade de louvar e amar o nosso mundo, da forma como ele é. Mesmo quando ele está em chamas.

O Ártico está em chamas. A floresta tropical úmida Amazônia está em chamas. A floresta tropical úmida Boliviana está em chamas. Grandes extensões da Indonésia e da África Central estão em chamas.

Ainda podemos louvar o nosso mundo? Sim.

No último mês de Novembro, eu estava em um retiro em Spirit Rock. Fazendo meditação andando do lado de fora, na estrada, apenas me concentrando, posicionando o pé, levantando o calcanhar. Mas esta atenção plena (mindfulness) foi interrompida por uma memória estúpida — ela grudou como um carrapicho. Eu não precisa dela. Ela era sobre um pequeno embaraço que me aconteceu, anos atrás.

E eu pensei comigo mesma “Eu deveria saber como lidar com isso de um modo melhor.” Apenas notando, notando, notando. E então eu me desesperei, perguntando, “Oh, o que eu faço?” Aí — rapidamente no meu lado esquerdo — surgiu uma voz trovejante que disse: “Apenas se apaixone pelo que é.”

Assim que ouvi essa voz, eu vi, bem na minha frente, duas cortinas fechando. À esquerda estava o relatório do Painel Intergovernamental sobre a Mudanças Climáticas (IPCC — Intergovernmental Panel on Climate Change). “Restam doze anos para reduzirmos nossas emissões pela metade.” — e mesmo que nós soubéssemos disso — os níveis de emissão têm crescido constantemente. Esse foi o relatório mais marcante, mais alarmante e mais franco até agora. Do outro lado: a vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial do Brasil, e sua promessa eleitoral de lucrar com a floresta tropical úmida Amazônia, de passá-la para os grandes negócios e “deixar eles fazerem dinheiro.”

Eu estava enraizada lá. Meu corpo inteiro parecia ter se tornado pedra, eu permaneci encarando um futuro impossível.

Minha vida não tem sido a mesma desde que esse “se apaixone pelo que é” ressoou como um comando em mim. Era uma mensagem por aceitação: “Pare de se preocupar consigo mesma por um minuto, Joanna, e aceite o que está acontecendo com o mundo.”

Percebi que o que estamos enfrentando é tão gigantesco, uma mudança tão total, que é como se estivéssemos entrando num bardo [o estado intermediário entre a morte e a vida no Budismo Tibetano].

O bardo não acontece apenas quando você morre; ele também pode ser uma mudança imensa nas condições da sua existência. [O professor de Budismo Tibetano] Mingyur Rinpoche fala sobre algo assim em seu livro Apaixonado pelo Mundo: a jornada de um monge pelos bardos do viver e do morrer, descrevendo de forma muito poderosa o modo como ele estava totalmente desorientado após abandonar seu mosteiro e sair para o mundo completamente sozinho.

Porém, nós estamos entrando nesse bardo juntos.

A oeste está o Buda Akshobia, o buda da sabedoria do espelho, que segura um espelho para nós e nosso mundo. Para sobrevivermos, para atravessarmos, precisamos não desviar do espelho. Olhe para ele, e você verá muitas coisas bonitas: estudantes fazendo protestos, professores sábios, e algumas das grandes tradições de sabedoria tomando iniciativas. No centro, no entanto, vemos uma economia política condenada pela sua própria capacidade. Vemos um capitalismo corporativo global, ou o que você pode chamar de uma “sociedade de crescimento industrial”, que está devorando o mundo, e está no automático — chegou a um ponto em que não consegue parar.

Buda Akshobia, cuja pele é azul como a água, que reflete as coisas como elas são
(Himalayas: An Aesthetic Adventure, 2003, cat. 134; licenciado por ancientartpodcast.org como CC BY 2.0.)

A Terra está sendo atacada, extraída, envenenada, contaminada. Isto somos nós voltando para casa, para nossa verdadeira natureza e nossa verdadeira identidade. Não podemos interromper a mudança climática para voltar para onde estávamos. Estamos no colapso agora, mas ele não precisa ser um colapso total. É nisto que o meu coração-mente-corpo está posicionado agora.

Existe inspiração lá fora para nos ajudar a construir, através disso, uma sociedade que sustenta a vida. Cinco séculos de hiper-individualismo bagunçaram com a gente, mas nós desejamos nos livrar dos nossos conjuntos de armaduras competitivas. Queremos cair nos braços da Terra e nos braços uns dos outros. Precisamos encontrar nosso caminho de volta uns aos outros, e aprender mais uma vez como cuidar uns dos outros.

Vai ser uma bagunça, mas este é o nosso trabalho agora: ver a Grande Virada [de uma sociedade industrial sempre crescente para uma civilização que sustenta a vida], mesmo enquanto as coisas estão desmoronando.

— Joanna Macy, 2019

Uma resposta para “Sem Tempo a Perder”

  1. Avatar de Virgínia b c dantas
    Virgínia b c dantas

    Gostaria de abraçar de corpo e alma essa ideia tão linda nesse mundo em desconstrução

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1 comentário em “Sem Tempo a Perder”

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